Apresentação
Ensaio literário sobre a obra do poeta e escritor Renato Melo, autor da Mondru, com ênfase nas obras: Eu, o Cosmo e o Caos (Mondru, 2022) e Um nó na garganta desde o princípio do mundo (Arte Impressa, 2024).
Eu, o Cosmo e o Caos – O nascimento de um poeta
Renato Souza de Melo é natural de Queimados/RJ (1978), mas radicado em Minas Gerais desde a tenra infância, mais especificamente na cidade de Juiz de Fora/MG, onde viveu de 1985 à 2010.
Após se casar e se graduar Bacharel em Teologia, se muda com a esposa para a cidade de Rio Pomba, também Minas Gerais, para exercer sua vocação religiosa, como oficial religioso protestante (pastor Batista) em maio de 2011, onde permanece desde então. Neste tempo, nasceram seus dois filhos.
Apaixonado pelos livros, sonhava em se tornar escritor desde a adolescência. O primeiro passo para a concretização deste sonho se deu no ano de 2014, quando publicou de forma independente, seu primeiro livro (em prosa) chamado, “QUANDO PARECE SER O FIM: o que fazer quando o que estava ruim fica ainda pior”.
Depois dessa primeira experiência literária, a fim de celebrar 10 anos no exercício do ofício religioso, em maio de 2021, publicou, também de forma independente, um livro de poemas cujo teor, contém a expressão de sua trajetória, sentimentos e anseios, enquanto ministro do Evangelho. Seu título é “Quando Deus me chamou”.
No final do mesmo ano (dezembro de 2021), pela Caravana Grupo Editorial de Belo Horizonte, publica seu segundo livro de poemas, “Por tudo o que é mais sagrado”.
Em meados de 2022, agora por uma Editora de Goiás, a Mondru Editora, publica seu terceiro livro de poemas, intitulado “Eu, o cosmos e o caos”.
Também em 2022, publica de forma independente, mais três livros de poemas; DEUS E EU – poemas e orações; Para além das distâncias e Ritmo Magoado, sendo que estes dois últimos representam, segundo o autor, o momento em que se assume poeta, contendo, por sua vez, seus mais recentes versos.
No início de 2023, também de forma independe, publica por último, os seus primeiros poemas. Estes foram reunidos numa obra intitulada “Meu caminho é viver”. Tais poemas são, segundo o autor, os primeiros versos por ele escritos, quando nem ainda tinha pretensão de publicar.
São os livros de busca por uma identidade, ou seja, são os primeiros passos, na construção de uma identidade literária, por isso o passo ainda titubeante, falseando.
Embora tenha encontrado alguns bons textos em cada livro, foi somente na esmerada edição da Mondru Editora, com a obra Eu, o Cosmo e o Caos, que o autor mostra uma virada de chave, um salto, ainda que pequeno, em relação aos livros anteriores. Aqui já não é mais uma busca pela identidade, mas por uma linguagem própria, um modo particular de dizer as coisas. Aqui, nesse livro, se inicia essa jornada. Claro que isso vai de cada autor. A poesia, o ato de escrever poesia, é um caminho muito pessoal e muito árduo para quem pretende levar com seriedade.
Este pequeno volume apresenta bons poemas, especialmente no início e no final do livro. Percebe-se um esforço genuíno em busca do aperfeiçoamento do próprio trabalho, para tanto, é preciso experimentar as formas da linguagem. E aos poucos, Renato vai desbravando esse território gigantesco, e muitas vezes inóspito. Eu, o Cosmo e o Caos é um livro de transição, de textos corriqueiros, sem uma genuína preocupação com a criação poética, para uma consciência de que o fazer poético requer tempo, leitura e árduo trabalho com a linguagem.
Chamo a atenção para dois poemas, simples, porém, sensíveis e profundos Liga de Argila e Apocalipse:
Liga de Argila
não ligo ser feito
liga de argila
gosto muito
do que sou feito
se não tivesse caído
a história seria outra
fosse o Universo gente
tenho certeza
choraria comigo
caso eu lhe contasse
tudo
Apocalipse
quando pequeno
me diziam que final de tarde
com céu avermelhado
do jeito que está hoje
era sinal do apocalipse
chegando
daí eu saía correndo
me ajoelhava ao pé da cama
e pedia perdão por todos nós
até hoje isso funciona!
O próximo livro será ainda melhor! Um nó na garganta desde o princípio do mundo, publicado no outono de 2024 pela Arte Impressa Editora, traz um poeta mais articulado, mas obedecendo aquela máxima de Goethe: A cortesia do gênio é a clareza. O livro abre, já revelando o seu tom, com o poema Imagens de hoje:
um rio que morre no mar, conquista-se
o segredo é nunca desistir
a vaga ausência numa paisagem
renova meu ardor por quietudes
No poema Nostalgias sem saber o poeta volta a se debater com o passado; a saudade é um sentimento recorrente no poeta.
nada sei do longe e nem dos olhos
escancarados de amor
homens são iguais no silêncio
na esquina do tempo
uma ave antes do voo se parece comigo
sempre ao fim do dia suplicando alegrias
Se nos versos anteriores Renato declara que “homens são iguais no silêncio”, nos versos seguintes ele confessa que “uma ave antes do voo se parece comigo”, como se dissesse que todos os homens se parecem como a ave presa ao chão, sempre na expectativa do voo, da liberdade a ser alcançada.
qualquer chuva fria
no coração alonga saudades noite adentro
Também é recorrente a natureza funcionando como um gatilho que transporta o poeta para um passado que é refúgio.
aquele amor transbordando nos olhos
que nunca mais terei.
Renato Souza de Melo carrega o peso de dois sacerdócios; pastor e poeta. Calejado pela Palavra, ele ainda segue na luta com a palavra do cotidiano interior e exterior. Neste belo volume Um nó na garganta desde o princípio do mundo – o título revela não apenas a sua, mas a condição de toda a humanidade desde o princípio; um nó na garganta. Toda crise existencial nasce de um impasse espiritual que reflete, inclusive, na relação com a natureza; há poemas flagrantes como: Moldura, Raízes nuas e Harmonias.
O homem tem que se dar conta das próprias contradições, das tensões da própria existência e seguir caminhando, ainda que seja, como escreveu o autor:
Com simplicidade volto para casa brincando na morte da tarde sempre tão instável quanto o vento.
Pode-se perceber, ainda que de forma sutil, a luta travada na arena da linguagem; é o papel de todo poeta que se preze, ao menos daquele que busca com sinceridade o cerne da poesia. Jacó lutou com D’us até o amanhecer. Ainda não posso dizer se esse é o caso do Renato Melo, ou se virá a ser, mas escrever poesia em nível mais elevado é o mesmo que lutar com D’us; para receber uma benção é preciso ser ferido, marcado por D’us, e isso costuma acontecer antes do amanhecer ou, como já escreveu o poeta João da Cruz, durante a noite escura da alma. O poeta é ferido pela linguagem e marcado através da poesia, muitas vezes a mudança se dá no próprio nome. Seja como for, é sempre a ação do Verbo sobre a carne, ou seja, sobre a condição humana.
Renato Melo, consciente da árdua jornada, do sacerdócio assumido, segue em ascendência, livro após livro; o presente volume é uma reunião de poemas mais antigos e também de trabalhos recentes que, ao meu ver, parece uma síntese da obra do autor até o presente momento. Um nó na garganta desde o princípio do mundo é prova dessa maturidade que, naturalmente acontece aos poucos, com trabalho incansável e tempo. Tal maturidade, nem sempre linear, pode ser encontrada em poemas como Imagens de hoje, Mutilação I e II, Incompreensões, além do poema Terra Fértil com sua sentença certeira: a palavra antes de nascer é fome.
A palavra, lapidada em poesia, ao nascer é maná, pão do céu, mas antes de nascer não pode ser outra coisa, senão fome. Renato Melo conhece as duas.
Informações
Este texto é original e foi publicado primeiramente no litera mondru.
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