Apresentação

Um pequeno conto por conta de um achado em um sebo no sul, Talvez Cortez Aprenda Inglês ganhou um primeiro lugar em um prêmio da Editora Trevo, tendo sido publicado em 2025.


Talvez Cortez Aprenda Inglês

 

 

 

Talvez Cortez Aprenda Inglês

 

Cabe na palma da mão, ela disse. Assim fica bom de levar, não estorva. E quando se precisa, tá ali, pronto. O problema são as letras, pequeninas. Fica às vezes difícil de enxergar, precisa puxar os óculos na ponta do nariz, quase. Mas tem muita coisa, o básico com certeza. De cá pra lá, de lá pra cá. Uma belezinha. Se quiser, posso trazer, finalizou afável, delicada como sabia ser quando tinha interesse no caso. Cortez escutou em silêncio, não pareceu muito interessado. Pelo menos de longe, daqui do outro lado da sala, de onde eu espiava discretamente a conversa. Prosseguimento de outra, mais polêmica, Cortez contestava a obrigatoriedade de todo mundo aprender inglês, colonialismo e imposição, dizia ele enfaticamente contra a opinião geral na roda. Óculos de míope, sorriso tímido, tinha quase sempre um jeito elegante de tratar as pessoas. Não respondeu de imediato, pareceu avaliar com cuidado como poderia recusar a oferta sem desgostar Irene. Para minha surpresa, depois daqueles longos segundos, disse que sim, gostaria de ver a tal miniatura. Sorriu, agradeceu e se foi rapidamente, sem se despedir dos outros, além dela.

O minidicionário chegou dias depois, trazido em mãos de fada, deve ter pensado Cortez ao ver Irene radiante, entrando com o presente. Agradeceu. De capa vermelha, uns poucos centímetros, letras miudíssimas, Dicionário Lilliput, de bolso. Olhou, folheou rapidamente, achou curioso o nome da editora, Berlin-Schöneberg. Passando os dedos nas páginas, leu uma ou duas palavras, não se atreveu mais sabendo dos erros de pronúncia. Levantou o olhar e se viu imerso em imensos olhos castanhos.

O que dizer? Amizade de longos anos, começada por um acaso, um encontro fortuito, quase machadiano, na porta do cinema do bairro. Colega de faculdade da prima, vizinho de escritório do tio, Cortez logo deixou de ser apenas um conhecido para fazer parte cada vez mais frequente dos fins de semana da família. Não que fosse alguém de presença marcante. Pelo contrário, discreto, mais de ouvir que de falar. Espirituoso a seu modo, era, porém, um crítico afiado mas sempre prestativo. Sem pretensões de conquistar ninguém, muito menos a moça da casa.

O que dizer? De repente, completamente embaraçado diante daquele olhar, não lhe ocorreu nada mais que um quase inaudível obrigado. O que foi? Não gostou? Uma ponta de desapontamento vinha se somar ao embaraço. No, I liked it very, very much, thank you, imaginou Cortez. Não disse, apenas sorriu: não era mais só amizade, estava claro. Pela ternura que transparece nesse olhar, talvez eu consiga mesmo aprender inglês, pensou feliz.


Informações

Antologia Conto Brasil, vol. 9, Editora Trevo, São Paulo, SP, 2025

Link: https://editoratrevo.com.br/antologia-concurso-literario-conto-brasil-vol-9/

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