Os Móveis Continuam Prisioneiros
Apresentação
A memória se inscreve nos objetos. Nos cantos de um armário, nas superfícies gastas de uma mesa, na curva de uma cabeceira que já repousou segredos. Os móveis continuam prisioneiros não é apenas um poema que dá nome ao meu segundo livro — ele é seu núcleo, seu fôlego. Neste poema, os móveis são mais do que peças inanimadas: são testemunhas, são cárceres, são os guardiões silenciosos de um passado que se recusa a partir.
Escrito sob a pulsação das ausências, este poema condensa a essência do livro, que é a permanência involuntária das lembranças. O que fazemos com as memórias que insistem em habitar os espaços? Como nos livramos delas quando até a matéria se recusa a esquecer? Em versos de despedida impossível, a tentativa de apagar um nome, um cheiro, um toque, se dissolve na resistência dos objetos, que absorvem a história e a devolvem em ecos.
Texto
Os Móveis Continuam Prisioneiros
lembrei-me de guardar as lembranças
escondi as cartas que pediam por teu retorno
escrevi um diário repleto da tua ausência
raspei da madeira as nossas juras de criança.
guardei o que sobrou de ti naquela caixa.
selei as memórias com tuas roupas velhas,
repousei-te no fundo do guarda-roupa
na esperança da velhice te esquecer.
mas os móveis continuam prisioneiros,
o armário que guardava tuas moedas,
o espelho que refletia tua tristeza,
a cabeceira que descansava teus planos de fuga.
não pude te guardar em casa, naquela caixa,
a tua sombra enegrecia aquele quarto,
a sala estava sempre apinhada de tua voz,
e a rede, na varanda, balançava com teus pés.
coloquei tuas memórias à venda,
e de brinde o cliente levaria a casa e a mobília,
não posso mais te separar daqueles velhos objetos,
não posso mais te separar deste velho que te ama.
Informações

Os Móveis Continuam Prisioneiros. Mondru Editora, 2022. 112 páginas.
Compre aqui: https://mondru.com/produto/osmoveiscontinuamprisioneiros

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Mostrar comentários Ocultar comentáriosLivro lindo, que eu tenho como uma relíquia, desde o início.
Belo poema com perfeito verniz drummondiano; quando o cotidiano das coisas inanimadas falam através de palavras & silêncios.