Apresentação
Esta é uma crônica sobre qualquer coisa.
o que fazer ?
Eu parei de fumar. Minto. Vez ou outra, eu fumo. E por que mentir? Não faço ideia. Sou maior de idade, pago meus cigarros com meu próprio dinheiro e, ainda assim, minto.
Minha analista deve saber por que eu minto. Sempre quis perguntar se ela sabe, mas nunca acho uma brecha. Ela é lacaniana. Quem conhece o termo sabe o que isso quer dizer. Para quem não sabe, deixe-me ver como posso explicar:
Fazer análise lacaniana é como ir espirrar e perder o espirro. Uma sensação de incompletude, de um quase vir-a-ser. É a vontade do que não veio. É o comichão que fica no nariz, e de nada serve sem um espirro que o siga. É só um incômodo.
“Ok, encerramos aqui. Até logo.” É o que eles chamam de “corte lacaniano”. Não vou teorizar sobre isso, porque o corte diz mais dela do que de mim. Com certeza, ela deve falar com a própria analista sobre isso. Não, não sobre eu mentir, mas sobre ela ser lacaniana. A pessoa pode ser tudo, ler tudo, e prefere ler Lacan. Eu não entendo, e poderia até perguntar o porquê, mas também não tenho tempo a perder na análise. Preciso desses minutos para mentir.
Uma vez eu estava tão puto que me vinguei. Antes dela fazer o corte, eu que fiz. Falei uma besteira qualquer (uma mentira, talvez), disse “ok, encerro aqui” e esperei que ela ficasse surpresa com a minha audácia. Não ficou. Disse “tudo bem” e apontou para a porta. “Até logo”. Paguei uma sessão inteira e fiquei 10 minutos. Ok, ok, a culpa foi minha. Não me vinguei direito. Eu precisava de prática.
Se a vingança é um prato que se come frio, a mentira é uma narrativa que se aprimora com plateia. Para praticar ambas, começo meu ensaio aberto. A crônica de hoje é sobre um homem que parou de fumar. Pelo menos, é o que ele disse.
Informações
Este texto é um trecho de material já publicado.
https://literarthur.substack.com/p/o-que-fazer-disso-daqui
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